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O que você evita sentir talvez seja exatamente o que precisa ser escutado

 

Em tempos de constante distração, é fácil deixar de lado o que sentimos. A correria da vida, os compromissos, as redes sociais — tudo parece conspirar para que a gente silencie o que incomoda. Mas, na clínica psicanalítica, aprendemos algo fundamental: aquilo que evitamos sentir tende a retornar, e quase sempre retorna com mais força.

Seja por meio de sintomas físicos, sonhos estranhos, ansiedade, irritabilidade ou até mesmo um cansaço sem explicação, o que não é dito, sentido ou simbolizado não desaparece — apenas muda de forma.

A evitação como defesa psíquica

Na teoria psicanalítica, especialmente desde Freud, aprendemos que o ser humano desenvolve mecanismos de defesa para lidar com angústias internas. Um desses mecanismos é a evitação: afastar da consciência pensamentos, sentimentos ou memórias que provocam dor. Em outras palavras, o sujeito “não quer saber” de algo que o afeta, ainda que inconscientemente.

Esse processo está ligado ao recalque, um conceito central da psicanálise, que descreve como conteúdos indesejáveis são empurrados para fora do campo da consciência. No entanto, o recalcado não desaparece — ele retorna como sintoma, como repetição, como mal-estar.

Ou seja, muitas vezes, aquilo que mais evitamos é justamente o que mais precisa ser escutado e simbolizado.

“Não sei por que estou assim”: a fala comum do sofrimento sem nome

Muitas pessoas chegam ao consultório dizendo:

“Não sei por que estou me sentindo assim.”
“Tenho tudo para estar bem, mas algo me incomoda.”
“Parece que tem algo dentro de mim que não consigo explicar.”

Essas falas carregam uma angústia que não se organiza em palavras claras, mas que marca o corpo e a existência. É nesse ponto que a escuta psicanalítica se faz tão potente: ela não busca respostas imediatas, nem diagnósticos rápidos. Ela acompanha o sujeito em sua travessia, respeitando o tempo da fala, o surgimento do sentido e o lugar do silêncio.

A função da escuta: permitir o encontro com o que dói

Na clínica, o que se evita sentir frequentemente surge na repetição de padrões, nas escolhas amorosas, nas relações familiares, no trabalho. A escuta cuidadosa, sem julgamento, abre um espaço em que o sujeito pode, aos poucos, se permitir entrar em contato com essas partes de si que ficaram congeladas ou silenciadas.

Essa escuta não vem para acusar ou interpretar de imediato, mas para acolher o enigma que o sintoma representa. Como diz Lacan (1953), o sintoma é uma formação do inconsciente — ele fala algo do sujeito, mesmo quando não se entende ainda o que ele diz.

Por isso, sentir — mesmo quando dói — é um passo importante. É uma chance de escutar o que realmente importa, o que está por trás do incômodo, da angústia, do vazio.

Quando a terapia pode ajudar

A psicanálise não é indicada apenas para casos graves ou transtornos diagnosticados. Ela é útil em qualquer momento em que o sujeito se perceba em conflito consigo mesmo. Alguns exemplos:

  • Sensação de não pertencimento, mesmo entre amigos ou familiares.

  • Dificuldades recorrentes em relacionamentos afetivos.

  • Autoimagem negativa persistente.

  • Sensações de tristeza ou irritação que não passam com o tempo.

  • Dificuldade em lidar com frustrações ou críticas.

  • Medos “sem motivo”, ansiedade, insônia, compulsões.

  • Dificuldade em se reconhecer ou fazer escolhas que satisfaçam verdadeiramente.

Em todos esses casos, escutar aquilo que se tenta evitar pode ser transformador. Não porque exista uma resposta certa — mas porque o sujeito pode, pela primeira vez, construir uma resposta própria, singular.


Conclusão

Evitar sentir pode parecer uma forma de se proteger. Mas, na prática, é como colocar um curativo sobre uma ferida que nunca cicatriza porque não foi limpa. A dor emocional merece ser sentida, nomeada, compreendida.

Talvez o que você evita sentir seja justamente o que está pedindo para ser escutado.

E a terapia pode ser esse espaço onde, com cuidado e respeito, você se escuta com mais verdade.


Referências

  • Freud, S. (1915/1996). O inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago.

  • Freud, S. (1914/1996). Recordar, repetir e elaborar. In: ESB, Vol. XII.

  • Lacan, J. (1953/1998). Função e campo da fala e da linguagem. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

  • Kehl, M. R. (2009). O tempo e o cão: A atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo.

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